Estamos vivenciando uma época de grandes transformações. Todo o universo conspira e incita-nos à mudança. É como se estivéssemos navegando em mar aberto e depois percebêssemos que todas as correntes nos levam a uma passagem estreita, um gargalo. Teremos de passar por ele, inevitavelmente, mas temos medo... temos medo, sim, pois não visualizamos ainda o horizonte depois do gargalo. E costumamos temer tudo aquilo que desconhecemos. Esse medo se agiganta porque é alimentado pelo medo dos outros navegantes. Muitos querem retroceder, iniciam movimentos, rebeliões, criam o caos. Tudo isto é típico de final de ciclo.
Enquanto não compreendermos que não há retrocesso, não avançaremos. Ficaremos girando no mar revolto. Somos todos um e haveremos de atravessar o mesmo gargalo, agora ou num próximo ciclo, a perder de vista...
Um pajé disse certa vez, referindo-se ao homem branco: "O mundo deles é quadrado,
eles moram em casas que parecem caixas, trabalham dentro de outras caixas, e
para irem de uma caixa à outra, entram em caixas que andam. Eles vêem tudo
separado, porque são o Povo das Caixas...."
Sim, somos o "Povo das Caixas". Aprendemos muito cedo a enquadrar e encaixotar tudo, principalmente idéias. Encaixotamos até nossas almas. E nos idiotizamos diante de uma caixa que chamamos televisão, permitindo que ela nos hipnotize seja com que tipo de programa for. Ah, que bom transe hipnótico! Enquanto estamos ali, passivos e fascinados, esquecemos nossa superficialidade aterradora.
O "Povo das Caixas" vê tudo separado, quadrado. De tanto viver encaixotado, perdeu a noção da unidade. No entanto, somente a unidade existe. É a unidade que vivenciaremos ao decidir passar pelo gargalo. E o que seria, na prática, "passar pelo gargalo"? Seria se lançar, confiar, ter fé na Vida Única e, consequentemente, em si mesmo. Seria abandonar o medo e mergulhar nas profundezas da alma, sair da periferia. Acreditar na plenitude, no Atma (alma imortal), nos valores eternos...
Existem programas de baixo nível porque estamos ainda na periferia. Tememos a profundidade. Estacionamos no primeiro degrau da escada, que significa a fascinação pelo apelo fácil da sensualidade exacerbada, da vulgaridade, do viver apenas para os sentidos primários.
Entretanto, a correnteza das marés persiste no seu ritmo. Apesar da nossa superficialidade, ela continua. A despeito do nosso pavor de encararmos nossa verdadeira face, ela se move. Sem levar em conta nossa apatia e procrastinação, ela segue seu rumo imutável. Essa correnteza, que é também o espírito dos vales, acena para uma realidade que transcende a forma. Podemos chamá-la de tantos nomes... O TAO diz:
O espírito do vale não morre nunca;
ele é a mulher misteriosa.
A porta da mulher misteriosa
é a raiz do Céu e da Terra.
Ininterrupta, assim como perpétua,
ela age sem esforço.
Esse espírito nos manda recados o tempo todo. O que são os desastres, as desgraças, o infortúnio? Apenas sinais de alerta a nos acordar dessa doença letárgica, dessa apatia, desse sono doentio. É tempo de acordar, de jogar fora a venda que encobre nossa vista. É tempo de sentir a fragilidade do mundo das formas.
É tempo de olhar para dentro. É tempo de encarar a própria sombra com destemor. Por detrás das tragédias paira, oculta, a sombra da humanidade: tudo aquilo que negamos e não queremos ver. Ao encararmos nossos fantasmas com destemor, decifraremos o código da Vida Una, que reina soberana, onipresente, onipotente, convidando-nos a sair das nossas "caixas" e abraçá-la aqui e agora, neste eterno presente.