terça-feira, 29 de janeiro de 2013

O Povo das Caixas

Alguém postou no Facebook, outro dia, que já estava farto de receber protestos contra o BBB (Big Brother Brasil). "Não está satisfeito? Então desliga ou muda o canal, e pronto, mas não enche o saco!" (algo assim). Resolvi entrar um pouco na discussão, expondo meu ponto de vista, que é mais ou menos este: sim, mudar o canal ou desligar a TV é uma saída, mas liderar ou participar de campanhas pela melhoria no nível dos programas é importante, para que outros que estejam abertos a uma mudança possam ler, refletir, mudar.

Estamos vivenciando uma época de grandes transformações. Todo o universo conspira e incita-nos à mudança. É como se estivéssemos navegando em mar aberto e depois percebêssemos que todas as correntes nos levam a uma passagem estreita, um gargalo. Teremos de passar por ele, inevitavelmente, mas temos medo... temos medo, sim, pois não visualizamos ainda o horizonte depois do gargalo. E costumamos temer tudo aquilo que desconhecemos. Esse medo se agiganta porque é alimentado pelo medo dos outros navegantes. Muitos querem retroceder, iniciam movimentos, rebeliões, criam o caos. Tudo isto é típico de final de ciclo.

Enquanto não compreendermos que não há retrocesso, não avançaremos. Ficaremos girando no mar revolto. Somos todos um e haveremos de atravessar o mesmo gargalo, agora ou num próximo ciclo, a perder de vista... 


Um pajé disse certa vez, referindo-se ao homem branco: "O mundo deles é quadrado, eles moram em casas que parecem caixas, trabalham dentro de outras caixas, e para irem de uma caixa à outra, entram em caixas que andam. Eles vêem tudo separado, porque são o Povo das Caixas...."

Sim, somos o "Povo das Caixas". Aprendemos muito cedo a enquadrar e encaixotar tudo, principalmente idéias. Encaixotamos até nossas almas. E nos idiotizamos diante de uma caixa que chamamos televisão, permitindo que ela nos hipnotize seja com que tipo de programa for. Ah, que bom transe hipnótico! Enquanto estamos ali, passivos e fascinados, esquecemos nossa superficialidade aterradora.

O "Povo das Caixas" vê tudo separado, quadrado. De tanto viver encaixotado, perdeu a noção da unidade. No entanto, somente a unidade existe. É a unidade que vivenciaremos ao decidir passar pelo gargalo. E o que seria, na prática, "passar pelo gargalo"? Seria se lançar, confiar, ter fé na Vida Única e, consequentemente, em si mesmo. Seria abandonar o medo e mergulhar nas profundezas da alma, sair da periferia. Acreditar na plenitude, no Atma (alma imortal), nos valores eternos...

Existem programas de baixo nível porque estamos ainda na periferia. Tememos a profundidade. Estacionamos no primeiro degrau da escada, que significa a fascinação pelo apelo fácil da sensualidade exacerbada, da vulgaridade, do viver apenas para os sentidos primários.

Entretanto, a correnteza das marés persiste no seu ritmo. Apesar da nossa superficialidade, ela continua. A despeito do nosso pavor de encararmos nossa verdadeira face, ela se move. Sem levar em conta nossa apatia e procrastinação, ela segue seu rumo imutável. Essa correnteza, que é também o espírito dos vales, acena para uma realidade que transcende a forma. Podemos chamá-la de tantos nomes... O TAO diz:

O espírito do vale não morre nunca;
ele é a mulher misteriosa.
A porta da mulher misteriosa
é a raiz do Céu e da Terra.
Ininterrupta, assim como perpétua,
ela age sem esforço.

Esse espírito nos manda recados o tempo todo. O que são os desastres, as desgraças, o infortúnio? Apenas sinais de alerta a nos acordar dessa doença letárgica, dessa apatia, desse sono doentio. É tempo de acordar, de jogar fora a venda que encobre nossa vista. É tempo de sentir a fragilidade do mundo das formas. 


É tempo de olhar para dentro. É tempo de encarar a própria sombra com destemor. Por detrás das tragédias paira, oculta, a sombra da humanidade: tudo aquilo que negamos e não queremos ver. Ao encararmos nossos fantasmas com destemor, decifraremos o código da Vida Una, que reina soberana, onipresente, onipotente, convidando-nos a sair das nossas "caixas" e abraçá-la aqui e agora, neste eterno presente.
  

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Mentes em Pane, Sociedade em Perigo

Ao ler o noticiário de hoje, fiquei sabendo de mais um caso de esquecimento de criança no carro, com resultado fatal. Infelizmente não é um caso isolado... o número de vítimas desse tipo de esquecimento cresce e é no mundo todo: aqui, no Japão, nos Estados Unidos. Uma das muitas tragédias do nosso tempo. Tragédia que os responsáveis levarão para sempre na consciência. Tragédias que destroem famílias. Alguém pode imaginar o pesadelo que deve ser conviver com essa memória? 

E então, a gente se pergunta: afinal, o que está havendo conosco para chegarmos a esse ponto de esquecermos o nosso filho no carro? 

Para mim, é apenas um a mais dentre os milhões de avisos que passam diante dos nossos olhos, mas insistimos em não enxergar, de que NOSSA SOCIEDADE ESTÁ GRAVEMENTE DOENTE. Esquecer o filho dentro de um automóvel é uma anormalidade. Não estou aqui tentando entrar na seara do julgamento, por Deus, não! Estou tentando analisar o fato em si e ele é patológico. Lapsos de atenção desse calibre são indicadores de um desequilíbrio grande. Para um pai ou uma mãe esquecer um filho no carro, significa que suas mentes ou seus corpos emocionais (ou ambos) estão em sobrecarga. 


No meu entendimento, é apenas mais um sintoma de uma civilização que segue às cegas, procurando manter um sistema que está caindo de podre. Vamos assim caminhando uns atrás dos outros, mesmo desconfiando que no fim dessa estrada está o abismo, mas seguimos assim mesmo. A imagem que me vem é de um cavalo com antolhos, a quem foi vedada a visão lateral, porque ele só precisa ver o que está à frente.

E vamos levando nossa sobrecarga, nesse ritmo alucinante, correndo contra o tempo para dar conta do que se espera que façamos, sem parar para pensar e refletir. Apenas queremos sobreviver, e sobreviver significa que precisamos acordar cedo e correr, correr, correr; produzir, consumir, consumir; ter, ter, ter. Lutar contra o trânsito congestionado das grandes cidades, lutar para chegar a tempo no trabalho e não perder uma reunião importante, lutar para conseguir uma vaga no estacionamento... e vai por aí. Acrescente-se à urgência deste nosso tempo o barulho, a poluição, os constantes e inúmeros estímulos de celular, TV, rádio, outdoors. Estímulos que nos empurram para fora, para um descentramento, para uma fragmentação que impede o saudável funcionamento do nosso intelecto, porque divide nossa mente em múltiplos departamentos, dificultando nosso foco.

Freiemos este mundo louco! Que jornada insana é esta? Por que temos dificuldade em acordar? O condicionamento é forte, mas a alma é mais forte do que ele! Clamemos por nossas almas, tomemos posse da nossa mente e das nossas vidas, já é mais do que tempo de pararmos de seguir pela vida como sonâmbulos, preocupados mais com o script que nos deram para cumprir do que com nossa consciência interna e nossa qualidade de vida! 

Vou repetir aqui um pequeno conto que publiquei anos atrás, tirado do livro Maktub, de Paulo Coelho:

"Um explorador branco, ansioso para chegar logo ao seu destino no coração da África, pagava um salário extra para que os seus carregadores índios andassem mais rápido. Durante vários dias, os carregadores apressaram o passo. Certa tarde, porém, todos sentaram-se no chão e depositaram seus fardos, recusando-se a continuar. Por mais dinheiro que lhes fosse oferecido, os índios não se moviam. Quando, finalmente, o explorador pediu uma razão para aquele comportamento, obteve a seguinte resposta:

- Andamos muito depressa, e já não sabemos mais o que estamos fazendo. Agora precisamos esperar até que nossas almas nos alcancem."


Saudável sabedoria indígena! Louvável conhecimento interno! Sim, nossas almas não estão acompanhando o ritmo frenético dos nossos tempos. Este ritmo tem sido imposto como condição à sobrevivência, ao "sucesso", ao consumismo. A sociedade de consumo transformou-se num enorme monstro cuja goela, cada vez mais faminta e espaçosa, jamais se sacia e sempre quer mais. O planeta esgota seus recursos e sinaliza para um colapso, mas a goela continua ali, aberta. Ela não tem consciência, ela não sabe o que é compaixão: foi criada e treinada para digerir, apenas. Entretanto, não podemos de forma alguma esquecer que fomos nós que criamos esse monstro. Portanto, somente nós temos o poder de destruí-lo. E vamos fazer isto com compaixão por ele. Ele não tem compaixão, é isento de emoções, mas nós temos. Tenhamos um olhar de compaixão por esse Frankenstein. Todos os monstros querem que nos assustemos e quanto mais corremos, mais eles correm atrás de nós. 
Eu crio gatos e percebo o quanto eles são valentes. Alguém já viu um gato enfrentar um cão muito maior do que ele? Eu já vi mais de uma vez. Primeiro, o gato corre. Quando ele vê que o confronto é inevitável, estanca e dá uma soprada no focinho do perseguidor. E já presenciei muito cachorrão correndo da parada! É assim que devemos fazer. Vamos parar e dedicar um olhar para esse monstro consumidor que nos ameaça. Ele parece terrível porque temos medo. Ele parece monstruoso porque está na sombra... pertence à sombra da humanidade... ele é um aspecto sombrio de nós mesmos. Olhemos com destemor e veremos que o monstro se esvairá como uma bruma da manhã ao receber os raios do sol. Pois ele é feito de ilusão.
Acordemos para uma nova manhã. Sem estresses, sem neuras, sem lapsos de memória. Um novo mundo se aproxima. Abram a janela interna e sintam sua brisa chegando. Vamos todos ajudar a construí-lo?

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

A Paz Começa no Prato

Você já parou para pensar que a paz, a tão propalada e tão ansiada paz, começa a partir da mudança de pequenos hábitos? 
Já parou para pensar no quanto somos não-pacíficos colaborando com toda essa carnificina animal?
É urgente, neste final de ciclo, que repensemos nossos hábitos, nosso modelo. Muita transformação se faz necessária para ingressarmos numa civilização mais evoluída. Essa transformação vem de dentro. Essa transformação começa não com grandes coisas, mas com pequenas coisas que se somam na nossa vida diária, e terminam por provocar grandes mudanças.
Esta palestra que transcrevo abaixo é muito lúcida e muito oportuna.

COMER PELA PAZ

Numa palestra sobre o consumo consciente, o monge e mestre budista Thich Nhat Hanh, fala sobre o quanto comer pode ser extremamente violento:
A UNESCO nos diz que 40.000 crianças morrem no mundo, diariamente, por falta de nutrição, por falta de comida.
Quarenta mil crianças, diariamente! E o volume de grãos que cultivamos no ocidente é, em sua maior parte, usado para alimentar o gado criado para ser vendido como carne.
95% da aveia e 87% do milho produzidos n...os Estados Unidos não é para consumo humano, mas para os animais criados para consumo. Isso representa o uso de 45% de toda a terra disponível no país.
Mais da metade da água consumida nos Estados Unidos é usada na criação de animais de corte.
São necessários 2500 galões de água para produzir meio quilo de carne, mas apenas 25 galões para produzir meio quilo de trigo.
Uma dieta totalmente vegetariana requer 300 galões de água por dia, enquanto que uma dieta à base de carne requer mais de 4000 galões de água por dia.
Criar animais para consumo, causa mais poluição da água que qualquer outra indústria nos Estados Unidos, porque os animais criados para consumo produzem 130 vezes mais excremento que o total da população humana.
Isso significa 45.000 quilos por segundo.
Muito dos dejetos advindos das fazendas de gado e matadouros são jogados ou fluem para dentro dos rios e córregos, contaminando as fontes de água limpa.
Nos Estados Unidos, os animais criados para consumo recebem como alimento 95% da aveia e 87% do milho cultivados.
Estamos comendo o nosso país, comendo a nossa terra. E eu fiquei sabendo que mais da metade da população come em excesso!
Comer de forma consciente - mindful eating - pode ajudar a manter a compaixão em nosso coração. Uma pessoa sem compaixão não pode ser feliz, não pode relacionar-se com outros seres humanos e com outros seres vivos.
Uma segunda espécie de comida que consumimos diariamente são as impressões sensoriais, a comida que comemos com os olhos, os ouvidos, a língua, o corpo, a mente.
Quando lemos uma revista, nós consumimos.
Quando você assiste televisão, você consome.
Quando você escuta uma conversa, você consome. E esses ítens podem ser bastante tóxicos.
Podem existir muitos venenos, como desejos, violência, raiva e desespero.
Nós nos permitimos sermos intoxicados quando consumimos em termos de impressões dos sentidos. E, da mesma forma, nós permitimos que nossas crianças também se intoxiquem.
E o que tem resultado é a nossa doença, o nosso ser-doente, nossa violência, nosso desespero.
E, se você praticar o olhar em profundidade - meditação - você será capaz de identificar as fontes de nutrição, da comida que tem sido trazida para nós.
Portanto, toda a nação tem que praticar esse olhar profundo para a natureza do que se consome diariamente.
O consumo consciente é a única maneira de proteger nossa nação, nós mesmos, nossa família e nossa sociedade.
Temos que aprender o que produzir e o que não produzir, a fim de prover as pessoas apenas com aquilo que é nutritivo e curativo.
Nós temos que evitar produzir aquilo que possa trazer guerra e desespero para o nosso corpo, para a nossa consciência, e para o corpo coletivo e para a consciência da nossa nação e da nossa sociedade.
Vale a pena saber mais!
Eating for Peace - Thich Nhat Hanh

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Sementes para 2013

“A idéia do Reino Divino é assim como a semente minúscula do trigo. Quase imperceptível é lançada à terra, suportando-lhe o peso e os detritos, mas, se germina, a pressão e as impurezas do solo não lhe paralisam a marcha. Atravessa o chão escuro e, embora dele retire em grande parte o próprio alimento, o seu impulso de procurar a luz de cima é dominante. Desde então, haja sol ou chuva, faça dia ou noite, trabalha sem cessar no próprio crescimento e, nessa ânsia de subir, frutifica para o bem de todos."  (Chico Xavier)

Que tenhamos, neste 2013 que começa, a humildade de nos sentirmos sementes. Muitos se julgam árvores. Não podemos ser árvores sem passarmos pelo estágio da semente. É baixar a bola, aliviar-se do peso da prepotência, do orgulho, da arrogância. 

Sentir-se semente é abrir-se à vida, às novas energias. 
Sentir-se semente é entregar-se à transformação, é doar-se.
Sentir-se semente é ser consciente das próprias limitações, sem permitir que as limitações freiem nossos passos.
Sentir-se semente é saber olhar para o alto e sentir que há um mundo maior que nosso minúsculo "eu".
Sentir-se semente é deixar fluir aquilo que é mais forte que nós, é não prender, não aprisionar-se num casulo.
Sentir-se semente é pulsar no ritmo do universo.
Sentir-se semente é não temer o fluxo na natureza que nos empurra constantemente para cima.
Sentir-se semente é aventurar-se no desconhecido com fé.
Sentir-se semente é jogar-se no vazio e compreender que o vazio é pleno.
Sentir-se semente é acreditar no próprio poder de autotransformação.
Sentir-se semente é sentir-se livre.

(Agradeço a Gena Teresa pelo pensamento de Chico Xavier)